quarta-feira, 15 de julho de 2009

Minha vida num falso cordel



Minha vida num falso cordel
 

Criança feliz!
Sentei-me à mesa dos pais,
junto dos meus sete irmãos;
alimentei-me de arroz,
tutu de róseo feijão,
carne assada, outros grãos,
salada verde e vermelha,
vez ou outra guaraná,
pizza gorda aos domingos,
bolo quente, pão de queijo,
cocada branca e queimada,
sanduíches e pão-de-ló.
Fui brincando de donzela,
de rainha e de fada,
mudei-me em bruxa malvada
e brinquei a preferida
brincadeira de ser mãe...
Cunhei boneca de pano,
dei-lhes quase seio na boca,
fiz roupinhas de retalhos...
Um dia, ganhei outra filha,
boneca linda, de louça,
trança negra, olho azul,
vestido branco, enfeitado,
da mesma forma que o meu.
Foi presente inesquecível
de menina nota dez!
Tive meus pais, fui beijada,
por eles acarinhada;
pedi-lhes benção ao dormir;
mimada, fui princesinha;
menina-índia, conquistei
a floresta do jardim
da nossa casa tão linda!
Fui canto, encanto e sorriso,
quase morri afogada,
mas, fui salva por meu pai.
No quintal, subi em árvores,
de uma caí, que horror!
Em vertigem, dirigi,
os carrinhos rolimã
dos meus irmãos coração;
pulei corda bem trançada
em cipó verde do mato.
Cabelos longos ou curtos,
pernas ligeiras, fogosas,
bonitas e já torneadas,
rolei em morros de pedra,
chutei água em poça d'água,
pisei descalça na lama,
cheirei o cheiro das rosas
dos jardins da minha terra,
doce terra onde eu nasci.
Era briguenta, sardenta,
magrela e toda banguela,
mais parecia um menino
todo queimado de sol.
Mas, feiticeira, eu seguia,
a provocar essa trama,
tostando a minha ilusão
naquele sol escaldante.
Única tristeza eu tive,
quando menina pequena:
a morte rondava, à espreita,
prá levar a minha mãe!
Na escola do Seu Leopoldo,
quinta série eu cursava,
sentava pelas escadas,
olhando bem lá prá longe,
o hospital todinho branco
e tão grande,tão tristonho,
esperando-a aparecer,
na sua roupa comprida,
para o frescor da manhã...
Minha mamãe não sabia,
mas ficava ali, sozinha,
sem brincar, de olhos pregados,
esperando-a viva e bela!
Foi só esse o infortúnio
do meu sorriso infantil...
Mamãe voltou para casa
e me envolvi no seu verso.
Ao reaver minha mãe,
ganhei mãe e mãe-poeta!
Sonhei... sonhei... e sonhei...
cresci sonhando ao dormir,
dormi sonhando acordada!
Eu sei... fui quase um menino!
Pouco me importa! Eu vivi!
Prá vida, sempre sorri
e, da vida, nunca ri.
Adolescente feliz!
Fui irmã bem encrenqueira,
prima linda, doce neta!
Toda noite, bem mais cedo,
recolhia-me a dormir,
vestia pijama em flanela
em cor de lua e quimera.
Lembro-me, lembro-me bem,
de uma história abissal,
tão enorme e tão sem fim...
A cada noite, um episódio,
ansiava o anoitecer!
Sentia-me, assim, raptada,
por homem forte e sem rosto...
No meu exílio existia
fogueira triste, sem riso,
eu deitada, seminua,
pele doce e perfumada,
pele doce e bronzeada.
O macho ali me cuidava,
mitigava minha fome,
abraçava e me beijava
c'o beijo desconhecido
da minha realidade...
Nesses momentos poesia,
quantas vidas eu vivi!
Deslumbrei-me, enlevei-me;
fui sonho, fui tão sonhada!
Meu primeiro namorado
foi um príncipe encantado:
loiro e lindo, meigo e doce...
Dancei Se piangi se ridi,
dei-lhe meu primeiro beijo,
chorei e chorei de ciúmes
e esperei, ofegante, no ar,
assovio na madrugada,
fazendo-me serenata:
Io che non vivo senzate.
Pelas raivas do meu pai,
esse amor foi separado.
Sofri, chorei por amor,
minha irmã me confortou.
Descobri na vil saudade
o beijo dado e perdido
nas gramas dos meus caminhos.
Do beijo, nasceu a poeta;
da poeta, o sonho de fêmea
e, nesse ritmo sensual,
minhas mãos correram soltas
no meu verde acordeon.
Desfilei minha beleza
numa longa passarela,
ao sonho da multidão.
Estava eu, tão dourada!
Daquele ouro, renasci
e vi meu sonho enlaçado
a novo amor impossível.
Desta vez, foi meu encanto,
braço forte e lutador:
um platônico amor!
Mas, tive amor, fui feliz!
Ah! Seria bom não dizer,
nesse verso tão sincero,
que na minha adolescência
senti morteiros ferinos,
senti dor, medo e suspeita:
foi-se meu vovô italiano,
tão viril e tão azul
e, foi-se embora, também,
meu irmão, olhar de estrela,
o caçula apaixonado...
Tempos depois, retomei
meu primeiro namorado
e, nos meus dezoito anos,
prometi-lhe amor eterno
ao som de Romeu e Julieta.
Desta vez, desfiz fui eu
as santas juras de amor
e seus lábios, desgostados,
desferiram triste fado:
"Não serás jamais amada
como eu te adoro então."
Coincidência, ou destino,
nunca mais eu fui feliz
nessas coisas do amor.
Virei mulher e sofri.
Resolvi me adormecer...
Mãe!
Exsurgi na fidúcia,
vi fulgor e negritude!
Quando acordei, bem mais tarde,
não vi as bonecas de outrora,
mas a barriga crescida
desabrochou toda em flor,
dando meninos dourados
a me chamarem de mãe.
Por três vezes fui mamãe!
Feliz no choro encadeado,
feliz nos cachos molduras
dos rostos cor de romã,
feliz na ilusão do olhar,
no mar do riso de amar.
E, neste enlevo de amor,
ao descobrir minha fé,
fui aprendiz da esperança.
Mas, pesares de um fadário,
quase os perdi, inocentes!
Sem a presença diária
dos meus três sonhos de amor,
em letal incongruência
eu fui feliz infeliz!
Feliz, aos doces sorrisos;
infeliz, nas despedidas.
Inocente, aparvalhada,
submergi na mentira,
perfídia do desamor.
Perdida em brumas do amor,
dancei a dança dos ventos,
fui um Pégaso malvado,
reinventei a escuridão,
roubei magia dos magos,
subi a pé para o céu,
mas fui jogada ao inferno
e lambi os ossos podres
do demônio em furor.
Busquei Zeus no Panteon,
mas me detive em Hades.
Fui langor em sedução,
fui nácar, gosto de lodo,
quis ser Hera e fui Perséfone.
Do sol, guardei a esperança,
registrei da noite, o medo;
sorvi mel para acalmar
meus desejos incontidos,
mas no fel evaporei.
Deu-me na cara o destino,
fui angústia e solidão.
Abandonei a oração
e me pus a adormecer...
Refiz a mãe, fui profissão e mulher!
Levantei-me, outra vez,
vestida de profissão,
de respeito e de saber.
Agarrei-me aos filhotes
e completei as lições
que faltavam nos meus dias...
Tornei doce o meu sorriso,
alimentei-me de amor,
reacendi minha guerra,
fiz-me real e virtual
e embalei-me na esperança!
Mas, o fadário, insistente,
açoitou-me em novo estilo.
Fui rainha sem poder,
fui paixão sem ser mulher,
nas marcas do meu outono,
marcou-me roxo o passado.
Papai se foi e, com ele,
parte da minha menina!
Insistente em minha faina
de ser feliz outra vez,
recuperei a mulher
e na mulher fui paixão.
Vivi diversos anseios
e outras formas de expressão.
Mas, o passado marcante,
atrapalhou meu enleio.
Não fui eu nem fui ninguém,
só obstei meu destino.
Joguei fora meu encanto
e abafei um doce canto.
Fui desencanto e dor,
perdi, num último som,
minha leda fantasia.
Meu efêmero se foi.
Foi urgente adormecer...
Fênix!
Dominei o meu destino!
Desta vez, fui bem mais sábia:
hibernei e só me acordei
ao som da minha oração.
Fiquei só em própria escolha.
Ao ritmo forte de um mantra,
refiz sentidos da vida;
recuperei-me em beleza
e na saúde interior.
Não cobicei, fui cobiça;
guardei meu encanto da vida
num canto da vida em revista.
Somente, então, pude ouvir
o som de rádio emoção:
antigo encanto-pecado,
respeito-admiração,
persistindo em meus caminhos.
Ao som do amor e paixão,
redescobri meus anseios
pelos sons das madrugadas.
Fui bem real e virtual
e a partir de então, eu sigo,
poetizo em minha vida,
meus amores, meus frescores.
Sou hoje graça e promessa,
idealizo, mas sou chão!
Re-luto... tomo cuidado,
me aproximo e distancio.
Mas, nas lides da razão,
tudo ainda sou... por amor!
Sou mulher-mãe e professora,
leoa-macho e bem-te-vi!
Forte e frágil, sou paixão,
desengano meus enganos,
fulguro nos meus olores
e escamoteio as dores
- sem destino e tão perdidas–
dos sentimentos de amor...
Eu sou Direito e Poema,
sou mil cores da palheta,
a virgem tela, o pincel,
o som grave ou agudo
do meu belo acordeon.
Gosto de mim, só por mim,
não quero falta de sonho,
fleuma de mil apatias,
devassidão das mentiras,
nem fragor da ausência de ética,
mas, temo o rugido da ira.
Sou fé e trago em minh’alma
um elegante teatro.
Gosto de dengo e de sol,
faço-me idílio sensual,
Anêmona em Primavera.
Minha idiossincrasia
é um amor absoluto,
sem o qual não sou deleite
e nem sei me deleitar.
Por amor eu faço tudo,
para o amor eu sinto tudo,
mudo-me em simples violeta
ou no mais selvagem sexo.
Frente à paixão, sou amor,
sou um amor em despudor.
Frente à vida, sou furor,
sou furor no meu pudor.
Sou muita flor e sorriso,
sedução e desafio,
palavra quente, sou brisa,
esplendor e ventania,
sou dúvida e sou verdade,
sou mais eu do que você.
Por amor eu fui feliz;
fui por amor, infeliz.
Mas, amei! E quanto amei!
Sem esse amor não seria
nem mulher e ao menos mãe!
Sulcando a vida, a incerteza,
amoldo-me, então, à certeza:
não mais quero adormecer
para então sobreviver.
No meu sonho ou realidade,
nada mais me sacrifico:
devota da fé e esperança,
sou mãe-amor e desafio,
mulher-poesia e pintura,
sou musical no fascínio,
sou mestre-ardor por opção.
E, por ser assim, intensa,
vejo-me em mim, todo dia!
Retomo o leme do acaso
e, neste outono da vida
eu - só - reaprendo a viver!
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Cabo Frio, 16 de julho de 2009 – 00h17
Abraxus, quase sucumbo ao teu desafio... rs rs rs
Anuncio, no título, ser este um "falso cordel". Fiel ao ritmo, mas, quanto às rimas... fiquei com preguicinha...
Pediste, em poesia, o significado do amor na minha vida. O amor nos sonhos, nas alegrias e nas tristezas... em detalhes... Segue, pois, minha vida de amor, em todas as suas etapas. Perdoa-me a extensão do escrito...

Um comentário:

  1. Bravo !
    Quando morava no Rio não saía da ABLC. Aproveito para convidá-la conhecer FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... em http://www.silnunesprof.blogspot.com
    Saudações Florestais !

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